A Alienação Fiduciária e as Obrigações Condominiais

A Alienação Fiduciária e as Obrigações Condominiais: Análise da Divergência Jurisprudencial e seus Impactos no Direito Imobiliário.

A alienação fiduciária em garantia, regida pela Lei 9.514/97, representa uma das principais modalidades de garantia no mercado imobiliário brasileiro. Recentemente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem apresentando uma relevante divergência quanto à responsabilidade pelas despesas condominiais no contexto desta modalidade, polarizando as opiniões entre a 3ª e a 4ª Turmas.

A divergência de entendimento no STJ

Atualmente, destacam-se duas correntes interpretativas sobre o tema no STJ:

A 3ª Turma entende que o credor fiduciário, como titular da propriedade resolúvel, não é responsável pelas despesas condominiais (art. 27, §8º da Lei 9.514/97). Tal entendimento decorre do fato de que a penhora não pode recair sobre o patrimônio do credor fiduciário, um terceiro na relação condominial. Assim, cabe ao condomínio apenas buscar a penhora e execução dos direitos aquisitivos do devedor fiduciante, mantendo intacta a propriedade resolúvel do credor fiduciário.

Por outro lado, a 4ª Turma, em recente decisão, entendeu que a natureza propter rem das obrigações condominiais prevalece, permitindo que o imóvel seja penhorado para quitar as dívidas condominiais. Segundo esse entendimento, o interesse do condomínio supera o do credor fiduciário, pois a dívida é vinculada diretamente ao bem, independentemente de sua titularidade formal.

Aspectos Legais e a Recente Alteração Legislativa

O art. 27, §8º da Lei 9.514/97, deixa claro que as despesas condominiais não recaem sobre o credor fiduciário, reforçando a ideia de que sua responsabilidade é limitada à garantia fiduciária. De igual forma, a Lei nº 13.043/2014, introduziu o art. 1.368-B no Código Civil, prevendo que a alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor (caput) e que “o credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem” (parágrafo único).

Dessa forma, o conflito interpretativo está em equilibrar o texto normativo com a essência das obrigações propter rem, que vinculam o imóvel à satisfação das dívidas geradas por ele.

Impactos Práticos no Mercado Imobiliário

A divergência entre as Turmas do STJ traz impactos diretos para o mercado imobiliário, especialmente para credores fiduciários, incorporadoras e gestores condominiais:

Para os Credores Fiduciários:

O risco de que os imóveis dados em garantia sejam alienados para pagamento de dívidas condominiais pode impactar a atratividade da alienação fiduciária como modalidade de garantia, exigindo maior atenção na gestão de inadimplência.

Para os Condomínios:

A possibilidade de executar a dívida diretamente no imóvel representa uma solução mais célere para recuperação do crédito condominial. Contudo, a incerteza jurisprudencial exige cuidado nas estratégias jurídicas.

Para o Mercado Imobiliário em Geral:

A posição do STJ poderá influenciar os contratos futuros, alterando cláusulas relacionadas às responsabilidades pelo pagamento das obrigações propter rem e os procedimentos de execução extrajudicial.

Soluções Propostas e o Caminho para um Consenso

A Ministra Nancy Andrighi, em decisão recente (REsp 2.036.289), consignou a necessidade de sopesar os interesses conflitantes, uma vez que “a proteção indefinida do credor fiduciário contrasta-se com outro interesse digno de tutela: o interesse dos titulares de créditos gerados pelo próprio bem dado em garantia (a exemplo do IPTU, das despesas condominiais, etc.) que, se não puderem satisfazê-lo mediante a penhora ou excussão da coisa, ficarão desprotegidos” e destacou que uma solução que se admite “é a de que o devedor fiduciante, titular de direito real de aquisição – e que possui valor econômico, tenha tal direito penhorado pelos demais credores em geral, em especial pelos credores de despesas geradas pelo próprio bem – a exemplo do condomínio quando da cobrança de despesas condominiais.

Nessa hipótese, por óbvio, o credor das despesas originadas pelo bem não adquire a propriedade plena, mas sub-roga-se na posição jurídica de titular de direito expectativo real de aquisição do devedor fiduciante. O credor fiduciário, por sua vez, mantém íntegra a sua garantia” (REsp 1.731.735/SP, 3ª Turma, DJe 22/11/2018)”.

Conclusão

A questão da responsabilidade pelas despesas condominiais no contexto da alienação fiduciária é um reflexo da complexidade das relações jurídicas no mercado imobiliário brasileiro. A evolução jurisprudencial e legislativa será fundamental para pacificar o tema e fornecer diretrizes claras para os operadores do direito, promovendo maior segurança para todas as partes envolvidas.